Longe… Longe
Meu tio trabalhava na TAM, Táxi Aéreo Marília. As blusas da empresa, os casacos de frio, as camisas eram de uma qualidade incrível. Lembro certinho do dia em que ele me deu de presente um casaco azul de frio e uma camisa cinza, com a marca da empresa. Ele trabalhava e morava em São Paulo, visitava a família só no Natal. Adorei a camisa, ficava torcendo pra chegar o frio pra usar o super casaco, parecia um abraço de urso. A camisa eu usava para ir estudar, ela tinha uma frase nas costas que eu adorava divulgar, “Longe é um lugar que não existe”.
Esta frase faz parte da minha vida, me acompanha. Quando trabalhava de Office boy e tinha que levar documentos para empresas que ficavam bem distante do centro eu focava nesta frase… “Longe é um lugar que não existe” e caminhava, caminhava… Seguia firme no meu destino.
Escutava essa frase em filmes, nas entrevistas que rolavam nos programas de televisão que assistia e achava incrível. EU TENHO ESSA FRASE NA MINHA CAMISA, pensava. Foram vários sinais e sempre essa frase aparecia pra mim, mas teve um momento muito especial. Eu havia passado num concurso com mais de 300 jovens que sonhavam em ser bancários. Nos anos 80 e 90 trabalhar nos bancos era uma grande conquista. De 300 ficaram 30 e todos os dias eu saia de Vespasiano com destino ao bairro Savassi, em BH.
Eram dois ônibus, conhecia nada da capital, minha mãe foi comigo no primeiro dia, me passou as coordenadas e pronto, era eu, os ônibus, as ruas desconhecidas e o mundo novo. Avenida Getúlio Vargas, Savassi. Um dia eu conto como fiz pra decorar os caminhos. O curso era no último andar. Trinta jovens belo-horizontinos, filhos de gerente, de diretor, supervisor, filhos de empresários e eu lá, calado, tímido, no meio da moçada esperta de BH.
O curso era dinâmico, os mais criativos, falantes, se destacavam, o banco queria pessoal ativo, esperto e eu precisava aparecer. Na quinta semana eu sai de casa muito triste. Não estou rendendo nada no curso. Pensei magoado, vestindo a minha blusa cinza.
Peguei o São Jorge pra BH, cheguei à Rua Curitiba junto com o circular, mas decidi ir caminhando mesmo, já dominava o lugar. Cheguei atrasado, corri, elevador, sala do curso, entrei. Todos sentados, a dinâmica já havia começado, a instrutora olhou pra mim. Vai ser hoje, perdi. Silêncio.
A instrutora se levantou. Foi ao centro da sala.
Abraçou-me e começou a falar: – Queridos, quem já conhece o nosso amigo aqui do curso, o Marcos Rogério? Poucos responderam.
– Bem queridos, ele chegou atrasado hoje pela primeira vez certo Marcos?
– Sim, respondi tremendo.
– Bem, vamos lá, pra você chegar aqui no curso todos os dias você vem de onde, menino?
– Venho da cidade de Vespasiano, são dois ônibus todos os dias.
– Certo, e hoje chegou atrasado por quê?
– Eu resolvi vir a pé, caminhando.
– Mas não é muito longe da rodoviária até aqui, Marcos?
– É sim, professora, mas o “Longe” pra mim é tranquilo, vim pensando na vida.
Até hoje não sei como respondi sem gaguejar.
– Muito bem, Marcos. Isto que eu queria ouvir. Hoje o tema do curso é o “LONGE”. Vamos analisar o “Longe” e a sua chegada hoje atrasado não foi por acaso. Vire-se para o quadro da sala.
Eu virei, e vi. No quadro negro, escrita com letras gigantescas a frase:
Longe é um Lugar que não existe.
A professora chamou a atenção da turma novamente.
Meus queridos, vocês leram a frase no quadro hoje? Siiimmmm.
E agora, leiam a frase atrás da camisa do nosso Marcos Rogério.
Eu estava com a camisa cinza da TAM, que meu tio Agamenon me deu.
E ela me salvou, me levou pra longe no curso.
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